Há bastante tempo falamos aqui no FlatOut sobre algumas formas de passar dos 300 km/h sem precisar de um carro – foi um dos primeiros posts que a gente fez, na verdade. Na época, citamos de passagem um embate histórico para as duas rodas: a briga entre Suzuki Hayabusa e a Honda Blackbird, que no fim dos anos 1990 protagonizaram uma disputa eletrizante pelo trono de moto de rua mais veloz do planeta.
Naquele post de 2014, dissemos que as motos são a primeira alternativa para quem quer um veículo capaz de passar dos 300 km/h – especialmente por conta do preço, bem mais acessível. E isto é fácil de entender: uma moto é bem mais leve do que um carro, e precisa de um motor bem menos potente (e barato) do que um carro para atingir velocidades obscenamente altas. Para se ter uma ideia, em 1949 já havia a Vincent Black Lightning, moto fabricada no Reino Unido que tinha um motor V-twin de 998 cm³ e 70 cv e era capaz de chegar aos 240 km/h.
Nos anos 90, a moto de rua mais veloz do mundo não era britânica, porém. Era japonesa: a Kawasaki Ninja ZX-11, com que foi lançada em 1990 e era movida por um quatro-cilindros de 1.052 cm³. Sua velocidade máxima variava entre 272 km/h no lançamento e 283 km/h em 2001, quando foi descontinuada. Mas havia quem não estivesse muito contente com isto.
A Honda, para ser mais exato. Era 1996, e a maior fabricante de motos do Japão decidiu que era hora de fazer alguma coisa: sua moto mais veloz, a CBR1000F, era capaz de chegar “apenas” até os 257 km/h, e até mesmo os recordes de velocidade dos automóveis pareciam pressionar os engenheiros da Honda a lançar uma moto mais veloz (foi naquela época, em 1998 que o McLaren F1 conquistou seu recorde de velocidade de 386 km/h). E foi o que aconteceu.
Seu nome era Honda CBR1100XX Super Blackbird. Ao contrário do que se poderia deduzir, blackbird não significa “pássaro preto”: trata-se de uma referência ao caça Lockheed SR-71 Blackbird, avião militar de reconhecimento que teve 32 unidades fabricadas se serviu à Força Aérea Americana entre 1964 e 1998. O Blackbird era movido por duas turbinas a jato Pratt & Whitney e era capaz de passar dos 3.500 km/h. E, claro, ele era preto.
O motor da nova CBR, tal como na antiga (que ainda foi produzida até 1999), era um quatro-cilindros com comando duplo no cabeçote, porém com deslocamento ampliado de 998 cm³ para 1.137 cm³ – maior cilindrada vista em uma moto de rua da Honda até então. O motor entregava 132 cv a 9.500 rpm, e era acoplado a um câmbio de seis marchas, e era suficiente para que moto chegasse a exatos 287,3 km/h, aferidos na edição de fevereiro de 1997 da revista Sport Rider. Naquela época, a moto mais rápida do planeta, a Kawasaki Ninja ZX-11, teve sua velocidade aferida em 281,6 km/h.
Perceba que ninguém havia ainda passado dos 300 km/h. E assim foi até 1999, quando a Suzuki reagiu e colocou no mercado a GSR1300R Hayabusa, carinhosamente apelidada como ‘Busa. O quatro-cilindros com comando duplo no cabeçote tinha uma vantagem sobre o motor da Honda Blackbird, além do maior deslocamento: e vez do carburador, usava um sistema de injeção eletrônica Denso, o que ajudava a usina a entregar impressionantes 197 cv a 10.100 rpm. Tudo para destronar a CBR1100XX, que ainda usava um motor carburado.
Na verdade, o próprio nome Hayabusa era uma provocação direta à Honda Blackbird. Para explicar o motivo, aqui vai uma pequena aula de zoologia.
Foto: José Luís Barros/Flickr
Além do nome de um caça da Força Aérea Americana, blackbird também significa “melro-preto”, ou simplesmente melro, pássaro da família dos tordos, que, como você deve ter deduzido, tem as penas pretas. Pequeno e ágil, o melro é visão frequente de observadores de pássaros na Europa, norte da África e Ásia.
O melro é um pássaro onívoro, alimentando-se de insetos, vermes e pequenas frutas. Entre as aves, ele está na base da cadeia alimentar. Um dos pássaros que estão acima dele é o famoso falcão-peregrino, ave de rapina de pequeno porte que é encontrada no mundo todo.
O falcão-peregrino é ornitófago, ou seja, alimenta-se quase exclusivamente de outros pássaros. E, para ele, capturá-los em pleno voo é fácil: ao mergulhar verticalmente, o falcão-peregrino consegue atingir velocidades entre 290 km/h e 325 km/h, tornando praticamente impossível para qualquer outro pássaro se esquivar da investida.
Sabe como se fala “falcão-peregrino” em japonês? Hayabusa (隼). E veja só: o melro é um dos pratos favoritos do falcão-peregrino.
Foi mesmo provocação explícita por parte da Suzuki ao apresentar a GSR1300R Hayabusa em 1999. E eles ainda disseram que, como o falcão-peregrino, sua moto também passaria dos 300 km/h. De fato, ela passou: ao ter sua velocidade máxima aferida em algo entre 303 km/h e 312 km/h (depende da fonte consultada), a Suzuki Hayabusa justificou seu nome, e devorou a Honda Super Blackbird com uma vantagem de pelo menos 16 km/h. Jamais um recorde de velocidade para motos de rua foi superado com uma margem tão grande. E a Hayabusa ainda aproveitou para abocanhar outros dois recordes: o de moto esportiva com maior deslocamento e mais cavalaria na roda traseira: 173 cv.
Estava esquentando. No ano seguinte, a Kawasaki comprou a briga e disse que traria seu título de volta com a Kawasaki Ninja ZX-12R, com motor de 1.200 cm³ e 178 cv a 9.500 rpm (161 cv na roda traseira). Segundo a fabricante, a nova Ninja seria capaz de passar dos 200 mph, ou 322 km/h – a marca que faltava bater. E a Kaswasaki até planejava lançar a moto em um grande evento, para o qual convidaria toda a imprensa mundial. Poderia ter sido mais um desdobramento desta disputa, mas não aconteceu.
Isto porque havia gente preocupada com o aumento acelerado no desempenho das motos superesportivas, especialmente na Europa, onde organizações políticas e agências de regulamentação de trânsito (e até algumas fabricantes, como a BMW) acreditavam que as motocicletas de 300 km/h eram um risco à população. Sua ideia era simples: banir as importações de motos japonesas para o Velho Continente.
Foi então que as três fabricantes japonesas fizeram um acordo com as europeias: a partir do ano 2000, as motos até poderiam ser capazes de passar dos 300 km/h, mas deveriam ter um limitador eletrônico de velocidade instalado para impedi-las de fazê-lo. Assim, quando a Ninja ZX-12R foi lançada, a Kawasaki limitou eletronicamente sua velocidade a 299 km/h e decidiu lançá-la sem muito alarde.
Com isto, colocou-se um fim na guerra da velocidade máxima entre as fabricantes de motos: nenhuma delas seria capaz de passar dos 299 km/h original de fábrica – se o limitador fosse removido, a moto já era considerada modificada e, por isto, não havia muito sentido.
Dito isto, o tal acordo de cavalheiros foi feito sem nenhum tipo de contrato oficial ou obrigatoriedade legal (é isto que significa “acordo de cavalheiros”, afinal). Sendo assim, desde então houve alguns desvios: em 2007 a MV Agusta apresentou a F4 R 312, batizada assim porque era capaz de chegar aos 312 km/h. A fabricante italiana disse, na época, que tomou a atitude porque não via motivo para se limitar por conta de um acordo de cavalheiros.
Repare no velocímetro por volta da marca de 1:00. Ao passar dos 299 km/h, a tela passa a marcar “—“
Já a Ducati 1199 Panigale R, por exemplo, foi lançada em 2013 com um velocímetro digital que deixava de marcar quando chegava aos 299 km/h – certamente para não revelar que a velocidade continuava subindo. Hoje em dia, na maioria das motos com velocímetro digital, a marcação encerra nos 299 km/h.
The post Hayabusa vs Blackbird: o duelo das supermotos japonesas de 300 km/h – e suas consequências appeared first on FlatOut!.
from FlatOut! http://ift.tt/2kdxgaw
via IFTTT
0 comentários:
Postar um comentário