Há algumas semanas, quando a Ferrari F40 completou 30 anos, fizemos uma série de posts sobre a donna italiana e um deles tratava de mostrar absolutamente todos os ângulos e detalhes do carro — especialmente aqueles que ninguém nunca vê, como o porta-objetos da dianteira, o teto e os detalhes do bocal do tanque de combustível.
Agora chegou a hora de olhar para a outra ponta do espectro dos supercarros dos anos 1980, o Porsche 959, o carro mais tecnológico de sua época e, por isso mesmo, a antítese da Ferrari F40. E é justamente por causa de toda a sua tecnologia é que este mergulho nos detalhes do 959 será um pouco diferente daquele da F40.
Com uma seleção de fotos de um lado e o manual do proprietário do outro, veremos como cada um destes sistemas é acionado e como ele atua. Também veremos para que serve cada interruptor e botão do carro, e até sua transmissão um pouco diferente do que você imaginava. Prontos?
Como já contamos antes, o Porsche 959 nasceu de um protótipo da marca para o Grupo B, e deveria servir como modelo de homologação, não fosse o cancelamento da categoria pela FIA em 1986. Quando lançado, ele trouxe tecnologias inéditas como suspensão ativa, tração integral e rodas com raios ocos para equalizar a pressão dos pneus. Mas ao mesmo tempo, ele ainda é um carro feito com as técnicas de construção dos anos 1980.
Por isso ele usa o mesmo monobloco do 911, um motor boxer arrefecido a ar (embora seus cabeçotes tivessem arrefecimento líquido a óleo), sistemas eletrônicos analógicos e até faróis de parábola simples e formato padronizado. Tudo isso fica mais claro ao observar sua silhueta…
… e também a instalação dos faróis, que, embora embutidos para dar um ar mais moderno, ainda são construídos à moda antiga:
Veja que o aro tem uma pequena curvatura e é afixado por um parafuso exposto. Para trocar a lâmpada queimada, é preciso desmontar tudo como em um 911 clássico (ou em um Fusca!):
Aliás, já que mencionamos o ancestral do 959, outra semelhança é a posição do tanque de combustível, que fica encaixado na parte de trás do porta-malas. Veja só a tampa do bocal e o volume ao lado dele:
Nesta foto, aliás, é possível ver um indício de uma das características peculiares do 959. Está vendo o acabamento da afixação dos amortecedores dianteiros? Notou que eles são elípticos e alongados? É porque não há apenas um, mas dois amortecedores para cada uma das rodas.
A ideia é simples: um deles funciona como um amortecedor convencional. O outro é ativo, e está ligado a um sistema hidráulico que compensa a transferência de carga, eliminando assim as barras estabilizadoras e também permitindo a variação dos modos de amortecimento entre firme e macio (firm e soft), além do ajuste da altura de rodagem.
Tudo isso poderia ser feito automaticamente, de acordo com a velocidade, ou manualmente por meio de dois seletores instalados no console central:
O botão da esquerda, com o amortecedor desenhado, é o seletor de firmeza da suspensão. Na posição “+” ela enrijece os amortecedores e os mantém firmes independentemente da velocidade. Na posição central (normal), a 60 km/h o sistema envia carga máxima para os amortecedores do eixo traseiro e enrijece sutilmente a dianteira, que só recebe a carga máxima em seus amortecedores a partir de 130 km/h.
Na posição “-” os amortecedores ativos não recebem carga alguma até 60 km/h. A partir desta velcoidade os dianteiros recebem a carga média do modo normal, e os traseiros fazem o mesmo a 80 km/h. A 110 km/h os amortecedores dianteiros ficam sutilmente mais firmes.
O botão da direita, com o carro desenhado, ajusta manualmente a altura de rodagem da suspensão. Também são três modos: um para piso severo (difficult terrain), outro para piso irregular (easy terrain) e outro para asfalto (normal). No primeiro, o vão livre é de 18 cm, no segundo é 15 cm e no terceiro 12 cm.
Nos dois ajustes para situações fora das normais, o carro ajusta a altura automaticamente de acordo com a velocidade. No primeiro modo, “difficult”, ao passar de 80 km/h a altura de rodagem é reduzida para 15 cm, e para 12 cm ao passar dos 160 km/h. Ao reduzir a velocidade, a suspensão volta aos 15 cm abaixo de 150 km/h e volta aos 18 cm abaixo de 70 km/h. O mesmo acontece no modo “easy”, porém sem a altura de 18 cm.
Talvez você esteja se perguntando porque um supercarro teria um ajuste de altura para terrenos severos, mas lembre-se que o 959 tem sua origem nos carros de rali da Porsche, e que ele até disputou o Rally Paris-Dakar em seu ano de lançamento. E isso nos leva a outro detalhe ali pertinho dos seletores: a alavanca de câmbio.
Você sabe muito bem que o 959 tem seis marchas, não sabe? Então por que cazzo a marcha mais alta é a quinta?
Porque ele tem uma “reduzida”. Sim: o 959 é um supercarro com marcha curta para uso off-road. É essa marcha “G”, de gelände (que é o jeito que os alemães falam “off-road”). Se você não coloca o 959 na lama, nem escala paredes com ele, a arrancada deve ser feita na 1ª marcha “dog-leg”.
Tudo isso, claro, porque ele tem um inédito sistema de tração integral, que usava um cardã encapsulado em um tubo para ligar o transeixo a um diferencial dianteiro com uma embreagem hidráulica de pressão variável, o que dispensava um diferencial central.
A distribuição de torque também podia ser automática ou manual, e programada de quatro modos diferentes: “Traction”, que bloqueava os dois diferenciais; “Ice”, que dividia metade do torque para a dianteira e metade para a traseira; “Wet”, com uma divisão de 40% para a dianteira e 60% para a traseira, aumentando a distribuição para a traseira à medida em que a velocidade aumenta; e por último o modo “Dry”, que é o modo “normal”, com uma divisão de 40% para a dianteira e 60% para a traseira, podendo chegar a 20% para a dianteira e 80% para a traseira de acordo com o aumento da velocidade.
Os modos eram selecionados por uma alavanca no lado direito da coluna de direção e indicados por quatro luzes-espia em um instrumento dedicado unicamente ao sistema de tração integral:
O indicador da esquerda mostra o percentual de bloqueio do diferencial traseiro, o indicador da direita mostra quanto de torque está sendo enviado às rodas dianteiras. As luzes-espia indicam, de cima para baixo, traction, ice, wet e dry.
Chegando às rodas, você certamente já notou que todo 959 usa sempre as mesmas rodas. Isso porque elas foram desenvolvidas com os raios ocos, que ajudam a manter a pressão dos pneus equalizada, e também fazem parte do sistema de monitoramento de calibragem.
O sistema usa dois interruptores de pressão instalados em cada roda. Como explica o manual, cada um destes sensores tem uma câmara de ar pressurizado separada por um diafragma do espaço para o ar da roda. Se a pressão da roda é reduzida abaixo do valor de referência, a pressão na câmara do interruptor se altera, o circuito é interrompido e o sinal é enviado para uma ECU, que alerta o motorista por um aviso sonoro e uma luz espia no quadro de instrumentos.
As rodas, também tinham um sistema único de fixação, por um parafuso central. Mas o sistema era um pouco diferente do sistema do 911 GT3, por exemplo. Ele tinha uma capa antifurto com chave e uma ferramenta especial para remover o parafuso de fixação.
A ferramenta especial logicamente acompanhava o belíssimo jogo de ferramentas do 959, que também incluía um manômetro mecânico, fundamental para não enlouquecer o sistema de monitoramento de pressão dos pneus:
E já que acabamos voltando ao porta-malas, é uma boa hora para explicar que o tanque de combustível não exige a abertura do capô como nos antigos Fusca. O capô do 959 tem uma tampa para acesso direto ao tanque:
A abertura é feita por uma alavanca escondida acima da saída de ventilação para a porta do motorista:
Sendo assim, o que são aquelas portinholas nas laterais do carro?
A portinhola do lado esquerdo, atrás da porta do motorista, guarda o bocal do reservatório e a vareta indicadora de nível do fluido do sistema hidráulico da suspensão. A do lado direito guarda o bocal do reservatório e a vareta indicadora do nível do óleo do motor. Ambos são abertos por estas duas linguetas amarelas no cofre do motor:
O cofre, aliás, é um espetáculo à parte com as coberturas metálicas das caixas de roda e dos intercoolers. Os dois dutos que você vê na foto acima, são alimentados por essa tomada de ar abaixo:
Para ajudar a manter a temperatura baixa e auxiliar a admissão, a tampa do motor tem uma manta térmica e dois ventiladores que ajudam a forçar o ar capturado pela grade para dentro do cofre:
Se você ampliar a foto, também poderá ver a textura formada pelas fibras do compósito utilizado pela Porsche na carroceria do 959.
Ah, a tampa do motor é aberta por uma alavanca alojada em uma cavidade no vão da porta do motorista:
Já que abrimos a porta do motorista…
… vamos dar uma olhada nos detalhes da cabine. Primeiro no restante do quadro de instrumentos do 959, com o conta-giros no centro (como todo Porsche) e velocímetro à sua direita. Note que o conta-giros tem um manômetro dos turbos:
Mais ao lado, o ar-condicionado é tem controles eletro-mecânicos, mas já era automático, como fica claro pelo sensor de temperatura interna e pelo seletor de temperatura:
E mais ao lado, o rádio original Blaupunkt Bremen:
Agora voltando a atenção para o lado da cabine que quase ninguém olha, podemos ver os “bancos” traseiros do 959, aqui na versão Komfort, com revestimento de couro de quatro tons:
E os bancos dianteiros:
Por último, uma olhada na dianteira, onde você conseguirá com algum esforço notar o radiador de óleo na grade central do para-choque: o 959 ainda era aircooled, mas só os cilindros. Os cabeçotes eram arrefecidos pelo lubrificante.
E para encerrar, a obra por inteiro em seu habitat natural: