quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Hofstetter: a incrível história do mais avançado fora-de-série nacional

Foto: AllCarIndex.com

Eu era bem moleque quando perguntei a meu pai como seria possível construir um carro por conta própria – aparentemente, nada do que se via nas ruas em meados dos anos 1990 era perfeito aos meus olhos. E tenho certeza de que muitos aqui tinham a mesma ideia quando eram pirralhos – criança tem imaginação fértil e, juntando isto com paixão pelos carros, o resultado são inúmeros carros-dos-sonhos que jamais passaram disto mesmo: devaneios oníricos e um tanto inocentes.

Mario Richard Hofstetter já não era mais criança quando teve a ideia de construir o próprio carro. Ele tinha dezesseis anos – idade na qual a gente até já deu umas voltas no carro da família, escondido ou não. Mas a maior diferença entre Mario Hofstetter e nós é que ele de fato construiu seu carro. E, querendo ou não, acabou entrando para a história da indústria automotiva brasileira.

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No início da década de 1970, como você bem sabe, fora proibidas as importações de automóveis para o Brasil. Quem já tinha um carro importado tinha exclusividade garantida, mas quem queria um teria de esperar até 1990 (claro, ninguém sabia disto ainda). Isto não impediu o jovem Mario Hofstetter de sonhar com os esportivos conceituais europeus que via nas revistas.

Apesar do sobrenome germânico, Mario Hofstetter gostava mesmo era dos projetos italianos. Na década de 1970, uma onda futurista tomou conta dos estúdios de design da península em forma de bota: linhas retas, vincos, perfis em forma de cunha, áreas envidraçadas gigantescas e portas asa-de-gaivota prenunciavam como seriam os esportivos na década seguinte. Dois destes conceitos, em especial, acabaram chamando a atenção de Mario: o Alfa Romeo Carabo, de 1968, e o Maserati Boomerang, de 1971. Ambos já marcaram presença aqui no FlatOut em posts anteriores.

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O primeiro foi apresentado em 1968, e foi o primeiro carro do planeta a utilizar portas do tipo tesoura, que se abriam para cima e para a frente. O desenhista do Carabo foi Marcello Gandini, que na época que trabalhava para o estúdio Bertone e tratou o conceito como um carro de produção. Em 1970, quando foi contratado pela Lamborghini para projetar o sucessor do Miura, Gandini aproveitou diversos elementos de design do Carabo — incluindo as portas tesoura, pela mesma razão. Resultado: em 1974, chegava às ruas o Lamborghini Countach, primeiro carro de rua a ser equipado com portas tesoura.

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Foi o Carabo o carro que plantou a semente inicial do desenho do Hofstetter, mas o Maserati Boomerang, foi a maior inspiração para as linhas definitivas, especialmente no modo como os vidros laterais passavam da linha de cintura. O carro criado por Giorgetto Giugiaro e tinha um dos painéis mais esquisitos da história, mas (felizmente) inspirou o Hofstetter apenas do lado de fora. Mario diz que nunca escondeu esta inspiração.

O rapaz de dezesseis anos vendeu um kart que tinha em casa para comprar ferramentas e madeira compensada. Com os desenhos feitos de próprio punho com todas as medidas e proporções já definidas, Mário construiu o primeiro molde. O primeiro protótipo foi feito diretamente sobre ele, para conter custos e tornar mais simples o processo de dar forma à carroceria.

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Foto: AllCarIndex.com

Projetar o carro, desenhar suas linhas, dar a ele suas formas e escolher a mecânica acabou sendo a escola de engenharia de Mario, que julga ter aprendido muito mais colocando a mão na massa (e na graxa, e na madeira, e na fibra e no metal) do que em qualquer faculdade.

“Sou obrigado a dizer que é um orgulho para mim, para o meu pai, provavelmente para a família inteira, a história do carro. A lenda está feita”, diz ele no vídeo abaixo, homenagem do Alfa Romeo Clube do Brasil a Mario e ao Hofstetter. “Muita gente diz até hoje que eu sou maluco. Fazer um carro desse jeito, com estas portas, motor de Fórmula, e inventar de fazer uma fábrica sempre foi visto como algo excêntrico.” E ainda assim, ele foi influenciado pelo pai, que deu a ideia e o incentivou a fazer tudo sozinho.

Ao longo de sete anos, Mario trabalhou incansavelmente em seu projeto, que ficou pronto apenas em 1982. O primeiro carro, vermelho, tinha um motor Cosworth-Hart de quatro cilindros com comando duplo no cabeçote e projeto de origem Ford. Era um motor capaz de girar a 12.000 rpm e nada apropriado para uso nas ruas – sua aplicação principal era nos monopostos de Fórmula 2 e Fórmula Ford na Europa. No entanto, o carro era capaz de chegar aos 230 km/h. “Era o carro que mais andava em São Paulo. E o que mais andava de guincho, também!”, brinca Mario no vídeo.

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Fotos: AllCarIndex.com

O esportivo vermelho, construído sobre um chassi do tipo espinha dorsal sob uma carroceria de fibra de vidro, era algo impensável no Brasil do início dos anos 1980. O VW Gol acabara de ser lançado, sucedendo o Fusca e a Brasilia, e aqueles eram os carros nacionais de massa da época. Os fora-de-série usavam o chassi e o motor do Fusca como base (o que não é nenhum demérito a clássicos como o Puma e o Bianco). O Hofstetter usava na frente a suspensão dianteira do Chevrolet Chevette, por braços triangulares sobrepostos, com geometria retrabalhada; e a suspensão dianteira – sim, dianteira – do VW passat, do tipo McPherson, montada em posição invertida na traseira e acertada de acordo com o conjunto. O câmbio era um Hewland de cinco marchas. Elementos de carro de corrida, de carro produzido em série e feitos sob medida compunham o Hofstetter – nada mais justo que usar seu próprio sobrenome em seu carro, não?

Hofstetter Turbo

Foto: AllCarIndex.com

Não demorou para que Mario percebesse que seu carro tinha potencial para agradar mais gente. Por mais que aquele não fosse o plano, ele acabou por dar início à produção em pequena escala de mais exemplares do Hofstetter. Um carro branco, um prata e um preto foram feitos de início, seguidos de mais quinze exemplares até 1991.

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Hofstetter apresentado em 1984, em uma plataforma basculante que fez inveja à Volkswagen. Foto: AllCarIndex.com

O carro branco apresentado no Salão do Automóvel de 1984 impressionou ainda mais: agora, ele tinha um interior completo e melhor acabado, além de uma leve remodelagem nas formas da carroceria para ficar um pouco mais alto e com uma dianteira redesenhada, com faróis auxiliares expostos o tempo todo (exigência da legislação de trânsito no Brasil para o caso de falha do mecanismo dos faróis escamoteáveis), janelas que não avançavam tanto sobre a parte inferior das portas e acabamento mais refinado – na verdade, o Hofstetter tinha acabamento acima da média dos fora-de-série brasileiros. Até mesmo suas proporções, apenas 1,07 de altura contrastando com os 4,17 m de comprimento e 1,74 m de largura. Com entre-eixos de 2,39 m, acomodava com conforto dois adultos e um pouco de bagagem atrás dos bancos.

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Fotos: AllCarIndex.com

Naturalmente, o motor dos carros fabricados para o público era mais dócil: um Volkswagen AP de 1,8 litro vindo do recém-lançado Gol GT, equipado com um turbocompressor operando a 0,9 bar e movido a álcool, gerava cerca de 140 cv e 21 mkgf de torque. Pesando 1.030 kg, o Hofstetter era capaz de acelerar até os 100 km/h em 9,3 segundos e chegar aos 200 km/h. Modelos como a Brasília, o Ford Corcel, o Fiat 147 e até mesmo um caminhão Mercedes cediam componentes de acabamento – no caso deste último, era a paleta do limpador de para-brisa. O painel de instrumentos era do Gol GT, e as portas eram acionadas por botões.

A partir de 1986, foi adotado o motor do Volkswagen Santana, de dois litros. Graças ao turbo, a potência passou a 175 cv a 4.950 rpm e o torque, a 28,5 mkgf a 3.600 rpm. Com isto, o 0-100 km/h passou a 7,5 segundos e a velocidade máxima, a 230 km/h. O painel do Gol GT foi trocado por um cluster digital (se alguém souber de que carro era, ou se era feito sob medida, pode se manifestar nos comentários!), algo que virou opcional de luxo em carros produzidos em massa na década seguinte.

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Fotos: AllCarIndex.com

Por mais que a chegada dos carros importados a partir de 1990 tenha levado Mario a encerrar a produção do Hofstetter, e também tenha evidenciado o modo como os entusiastas o enxergavam, pois ficava evidente que era um fora-de-série feito de forma artesanal, com relativamente poucos recursos, nós não conseguimos deixar de olhar para o esportivo com admiração. Mario Richard Hofstetter queria fazer um carro, e fez. E não houve quem fizesse um carro tão impressionante, aqui no Brasil, quanto seu Hofstetter.

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